domingo, 24 de junho de 2012

Shin Zushi: um japonês sem batom


Ainda bem que eu não uso batom. Recém-chegada ao balcão do Shin Zushi, ouvia a explicação de Ken Mizumoto para aquela autorização equisita. "Como percebi que vc não está de batom, vc pode tomar o saquê no cubo de madeira". A taça quadrada de madeira clara talhada com ideogramas é feita de cerejeira. Rara hoje em dia, diz Ken, justificando o zelo enquanto arrumava as raspas de nabo, cenoura e rabanete na folha à minha frente.

Ken Mizumoto, 32 anos, comanda o tradicionalíssimo Shin Zushi ao lado da mãe e do irmão. O pai, fundador da casa há 30 anos, faleceu quando ele tinha 12. Ken seguiu para o Japão, onde passou dez anos estudando. E o prazer pela riquíssima cozinha e incrível cultura de seu país ancestral o tornaram um embaixador da causa pelas bandas da Tropicália. Sim, estou decretando isso, sem medo de exagerar, depois das duas horas e meia que passei sentada à sua frente na última quinta-feira. Meio sem graça, pedi permissão para pagar aquele mico de fotografar tudo o que passasse na minha frente. Ele sorriu.

O primeiro sashimi foi de atum. Ken serviu um corte parrudo e vermelhíssimo do peixe, chamado Chutoro, de uma parte localizada mais longe da pele e, por isso, menos gorda e mais macia e saborosa do que se vê por aí. Em seguida vieram lâminas finas de garoupa e o aviso: "essa vcs têm que molhar nesse molho especial", disse Ken nos passando potinhos com shoyo, pimenta japonesa, cebolinha e gengibre. "e não inventem de fazer como alguns clientes, que resolvem molhar os outros cortes nesse molho também!".


Enquanto me encantava com a garoupa e o molho veio o polvo. Confesso que estava de olho grande nas pernas suculentas em um pote sobre o balcão. Estava morno, macio e delicioso. "Esse é para comer com sal e só. Pouco sal", veio a ordem do outro lado da vitrine de peixes. Os nacos do cefalópode (essa eu só descobri por causa do Bruno) não eram apenas das pernas, mas também da cabeça do bichinho. E esqueça aquela dica de que se deve espancar o polvo para lhe conferir maciez. "Quem não conhece o ponto certo de cozimento apela para pancada. Ele tem que ficar assim, ó, inchado", ensinava Ken mostrando uma pernoca parruda e bem rosada.

Ken parecia curtir do lado de lá, enquanto Bruno e eu entrávamos em transe do lado de cá. A cada prato apresentado, o jovem 'sushiman' esperava a nossa reação ao experimentar a iguaria. "E aí", perguntava para, em seguida, falar do frescor, do preparo, contar histórias.

Passaram pela nossa bancada ostras carnudas e vivíssimas "vindas hoje de manhã de Santa Catarina", siri mole deep fried, tempura (de abobrinha e de figo!!) para ser comido com sal de chá verde, enrolado de ovas de ouriço, caldo de peixe boi com tofu, peixe grelhado, delicadas duplas de sushi de satum e lula (que já vinham besuntadas de shoyo, sem necessidade de afogar o bolinho e estragar tudo), omelete tradicional japonesa, misoshiro maison com caldo de peixe caseiro, feita a cada dia na cozinha do Shin Zushi ("Se é para usar aquele pózinho pronto prefiro não servir", sentencia Ken).


(Em sentido horário a partir do topo: tempura com sal de chá verde; Bruno com o siri mole; peixe grelhado com nabo; Ken apresentando a omelete japonesa).

A cada passo da degustação, uma surpresa, uma descoberta, uma alegria. Lembrei com saudade dos restaurantezinhos que visitei em Tóquio, do fantástico Yamazate, o estrelado Michelin de Amsterdam. Falei do Azumi, no Rio, outra jóia. E detonamos juntos (Ken, Bruno, eu e os sushiman que ouviam o papo) o marketing do Sushi Leblon e a esquisitice do I Piati, o japa-italiano (!!!) de Botafogo.

O Shin Zushi também não usa batom. O luxo do restaurante paulistano não está em decoração moderninha, pratos cheio de invencionices ou buxixo de coluna social. Escondido em uma rua pouco badalada no bairro residencial de Vila Mariana, parece um pedaço do Japão em São Paulo - e me desculpem aqui o clichê. Mesas de madeira, japoneses atrás do balcão e no salão. Cardápio com ideograma e tradução fonética dos pratos. "Assim conseguimos estabelecer contato sempre com os clientes, pois eles nos perguntam as coisas. É uma interação importante", explica Ken. Isso, claro, quando algum estranho no ninho aparece por lá e para comer um combinado (há apenas duas opções dessa no menu). Pq na verdade, 70% da clientela é de olhos puxados e sabe bem onde está pisando.


Um coral bem afinado e ensaiado saúda cada vistante que passa pela porta, chegando ao partindo. As vozes japonesas conferem um clima ainda mais familiar e acolhedor.

"Sabem como eu escolhia os restaurante para comer no Japão", pergunta Ken que, naquela noite ficou praticamente exclusivo conosco (pura sorte!). "Pelo tipo de letra naquela bandeirinha azul sobre o batente da porta. Dá para ver a tradição do lugar. E também quanto mais velha a porta, melhor", conta ele prestes a apresentar sua última criação vinda da cozinha: um sorvete de chá verde com doce de feijão, gelatina kanten, massa de arroz, frutas e calda de açúcar mascavo. "É minha sobremesa favorita. Muito conhecida no Japão, mas aqui não fazem porque dá muito trabalho. Eu viajava horas de trem para comer o melhor desses em Tóquio".


E a conversa foi indo, como velhos amigos compartilhando uma paixão comum. Falamos de karatê, judô e whisky. Fiquei de voltar. Afinal, Ken só deve arriscar abrir um Shin Zushi no Rio depois de 2016, quando a especulação imobiliária tiver acalmado. E se eu tiver sido convincente o suficiente, em Botafogo, para a minha sorte.

Comer: Shin-Zushi (Rua Afonso de Freitas 169. Abre para almoço e jantar (até 22:30), com degustação (R$ 180, R$ 250 e R$ 300, dependendo do tamanho do percurso a seguir). Tel. 11 3889-8700).