sábado, 13 de outubro de 2012

Um parceiro fenomenal para caber de novo no...barco!


Sabe aquele dia da preguiça máxima? O despertador toca, vc desliga, vira pro lado e, em fração de segundos, chega à conclusão de que dá, sim, para organizar seu dia de modo a treinar numa outra hora, beeem mais tarde. E claro que a maluquice do trabalho mostra que não, vc não vai conseguir treinar de noite e era melhor ter levantado cedo e ido à luta.

Pois agora seus (meus) problemas acabaram! Meu parceiro virtual é mais eficiente do que o de qualquer Garmin. Chama-se Ronaldo Fenômeno: 118kg na cara e a meta de baixar 6% de gordura em 90 dias no Medida Certa do Fantástico.

Chamaram de exibicionismo, disseram que foi por dinheiro, julgaram que o craque apelou. Mas vou falar que na hora que me bate o bode anti-treino eu lembro é dele e me encho de vontade. Imagino o Fenômeno na esteira suando em bicas a 9,5km/h (eu vou lá e meto 10,5km/h pq não posso ficar pra trás). Quando fico com frio para ir nadar, vem na cabeça a imagem dele de touquinha batendo perna por meia hora, engulo o choro e visto a minha também.

O personal dele disse que essa semana que passou era de treinos longos. Meti logo 12km de corrida na segunda, natação na terça, 40min de esteira na quarta, natação + 40min de corrida na quinta e remo na sexta e no sábado. Vai encarar, meu Parceiro Virtual?

Ah, sim, a minha meta? É caber de novo no meu... barco! Pois sim, comprei em 2009 um Skiff para tripulação até 60kg. Achei que fosse ser tchutchuca pra sempre. E agora tenho que dar conta do recado, né?


domingo, 15 de julho de 2012

O melhor relógio é nosso corpo


Havia acabado de voltar de uma fratura por estresse quando me inscrevi para correr uma etapa de 5km do Circuito das Estações no Rio. Apenas para ganhar motivação e ter um parâmetro para recomeçar. A regra era clara: "Manu, corre bem devagar, tipo 6'30/km, só para o corpo ir voltando. Na verdade, esquece o tempo. Não é para forçar", orientou mestre Zimbra, meu cúmplice de corridas de 1km ou 42km.

Correr devagar. Suave. Sem forçar. Deixei o relógio em casa e fui totalmente desapegada de tempo, colocação e que tais. Delícia de corrida.

Já relaxada no sofá de casa, recebo o SMS oficial da prova: "Parabéns, você completou o Circuito das Estações em 27'04!". Não precisa ser um gênio da matemática para fazer a conta. "Katzo, mas não era para eu ter feito em 33 minutos?!", pensei. Pensei e contei pro Zimbra, que riu e emendou. "Vc não tem jeito, então da próxima vez corre de relógio para poder se controlar".

Cada vez mais tenho certeza: não há melhor relógio que o próprio corpo. Percebi isso naquele dia, lembrei disso quando deixei sem querer o Garmin no hotel no dia da Meia de Buenos Aires e voltei a sentir na pele isso hoje, numa voltinha despretenciosa na Lagoa.

Tô bem acima do peso, correndo feito uma tartaruga e penando para completar os 7,5km do entorno da Lagoa em sofríveis 48min. Olho pro relógio e o pace não cai de 6'10 ou 6'20/km. Era assim até hoje.

Ao sair de casa para a corridinha deste domingo, vi que o Garmin estava sem bateria. Considerei que o outro relógio estava na bolsa no carro. Mas não estava. "Ok, vou de boa mesmo". O relógio de rua logo na saída do Rebouças marcava 20 graus (ótimo para correr!) e 11:14. Parti.

Corri feliz, no ritmo das minhas passadas. Ultrapassando aqui e ali. E, para minha surpresa, cheguei às 11:58. Pace de 5'52/km (praticamente um milagre pra mim ultimamente).

Não tem jeito. A gente tem que ouvir o corpo. E basta.

Correr: Lagoa Rodrigo de Freitas. Ver post Lagoa 24h.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Dinner, o nono do mundo

Estava às vésperas de embarcar para Londres quando saiu a lista 2012 dos melhores restaurantes do mundo. A grande novidade era o Dinner, de Heston Blumenthal, que estreava na relação logo entre os dez mais. Em nono, mais precisamente. Reservei para três.

Um tweet de Felipe Bronze, porém, me deixou assim... com a pulga atrás da orelha:


Gosto é gosto e eu prefiro ter o meu. Fui sem pré-conceitos. Convoquei Caê e Elisa, meus irmãos (que moram na Inglaterra, by the way), demos aquela caprichada no visual, botamos o Oyster card na bolsa e partimos de double deck para o Mandarin Oriental. Tem que se garantir. : )

O nosso era o segundo serviço, o que não costumo fazer. Não curto, ainda mais quando o salão vai esvaziando, esvaziando como foi o caso.  No lounge de espera, pedimos três taças de champagne, que demoraram mais do que o normal para chegar. Suspirei e atribuí o serviço lento e pouco atencioso ao bar lotado, nada mais.

Muitos chineses no salão. O maitre entretido com as mesas com média de idade acima dos quarenta anos (padrão). Fomos recebidos pela equipe de garçons, simpática e explicativa. Falaram do significado das datas ao lado dos pratos (Blumenthal pesquisa suas receitas da história da culinária britânica). Disseram que o Tipsy Cake deveria ser pedido com antecedência para sobremesa pq demorava 45 minutos para ser feito e tiraram uma ou outra dúvida.



Caê, que morou algum tempo em Portugal, logo pediu um tinto alentejano, sua especialidade. As entradas chegaram e Elisa foi quem se deu melhor, com sua Meat Fruit de 1500. Uma "tangerina" por fora e foie gras por dentro. Caê arriscou e foi de Salamugundy (1720) com as chamadas "chicken oysters", uma parte mole do frango (minha memória seletiva me fez esquecer exatamente do que se tratava). Já eu fui de peixe: Hay Smocked Mekerel (1730).

Salamugundy, Meat Fruit, Hay Smoked Meckerel
Entendo que a proposta não é inovar como no Fat Duck. É uma releitura de clássicos ingleses (sem preconceito). A apresentação é cuidadosa e tem traços da cozinha molecular da "casa-mãe". Ainda assim, se Elisa e Caê não tivesse registrado em fotos, se eu não tivesse buscado a cola no cardápio do site, tvz alguns pratos e sabores tivessem se perdido para sempre.

Continuemos.

Meus irmãos carnívoros foram direto aos bois. Elisa de Red Angus (1830), Caê de Prime Rib (1830). Ambos com um ketchup caseiro (muito bom) e batatas triplamente cozidas/fritas. Depois de experimentar as chips de Felipe Bronze, Roberta Sudbrack e Claude Troisgros, acho que tô ficando chata. O meu pato estava ótimo. Pela textura, pelo sabor, pelos vegetais e ervas que o acompanhavam. Realmente especial.

Entre o Rib Eye e o filé de Red Angus, o peito de pato foi o destaque.
Até então o maitre não tinha dado o ar da graça. E a essa altura, já não era mais por conta do movimento do salão, que tinha uma ou duas mesas além da nossa.

Curioso, Caê havia encomendado a super-sobremesa, o tal Tipsy Cake, de 1810, um brioche com abacaxi. Elisa foi para o século XVII e pediu a Taffety Tart (1660), com maçã, rosas, sorvete. O meu foi o Quaking Pudding (1660), com pêra, caramelo, limão. Todos bem feitos.


Aguardávamos ainda a chegada dos carrinhos onde são preparados os sorvetes com nitrogênio. Um dos jovens garçons havia dado a dica. E nada dos carrinhos surgirem como aconteceu com as outras mesas. Solicitei ao primeiro cidadão que apareceu no raio de visão da nossa mesa. Não que estivéssemos com fome àquela altura. Mas queríamos experimentar cada milímetro do nono melhor restaurante do mundo.

A explicação dos toppings foi melhor do que os dito cujos. "It is like a party in your mouth", explicou sobre os crocantes que acompanhavam a bola caseira da Elisa.

Felizes porém não surpreendidos ou arrebatados pela experiência, pedimos a conta. Não constavam os três champagnes bebidos ainda na espera no lounge. Sorte nossa. Assim pudemos, enfim, ter o prazer em conhecer o maitre que, sem graça, veio à nossa mesa agradecer a lembrança para cobrar aquelas quase 60 libras esquecidas.

No segundo andar do ônibus vermelho de volta para a casa da Elisa, em Camden, fiquei pensando na escalação do meu escrete - os 11 mais que já tive o prazer de experimentar (não necessariamente na ordem): ORO, Roberta Sudbrack, Daniel Bouloud, Yamazate, Septime, Joel Roubouchon, Spondi, Jean George, Olympe, Le Pre Catelan, Zin Sushi. E olha que deixei de fora o Gordon Ramsay, alguns clássicos e outros tantos pé sujos do coração no Rio, em Paris, em SP, em Budapeste, em BH, em Moscou, em Noronha, no mundo. Camisa nove? Definitivamente não. O Dinner fica no banco de reservas. E olhe lá.

Comer: Dinner by Heston Blumenthal (Hotel Mandarin Oriental, 66 Knightsbridge. Metrô Knightsbridge ou Hyde Park Corner. Tel. + 44 (0) 20 7201 3833).

Lagoa 24h: remar, correr, comer

Pose para as lentes do querido Fernando Frazão
para matéria que saiu na Veja Rio. Eram 5h da matina!

Nunca escondi que o meu lugar no mundo é a Lagoa Rodrigo de Freitas. É onde fico em paz e posso fazer tudo o que me dá prazer: remar, correr, comer. Amar. Viver.

A Lagoa é viva 24h. O splash dos pescadores jogando as redes de suas canoas durante a madrugada logo dá lugar ao barulho mágico das pás, em sincronia, furando a água para impulsionar barcos de um, dois, quatro, oito pessoas. Vez ou outra o ronco de um motor anuncia marolas. E quando o vento sopra forte, os barcos a remo dão lugar a velas dos garotos da classe Optimist. Isso tudo num intervalo de uma manhã. No maior fair play (tirando a lancha do wakeboard), num território demarcado por leis invisíveis da cordialidade (tirando a lancha do wakeboard) e boa convivência (tirando a lancha do wakeboard).

Mas a vida da Lagoa não se resume a seu deslumbrante espelho d'água. Noutro dia estava pensando nisso. No sábado fui correr às 20:00 para, no dia seguinte, acordar cedinho para assistir a uma Regata do Estadual de Remo. Poucos dias antes havia curtido o cinema no Lagoon e emendado em um jantar memorável no recém-inaugurado Giuseppe Al Mare. Sem falar em meu porto seguro e reduto de glórias do Tricolor: o Bar Lagoa.

E esse post, então, é sobre isso. Como curtir cada um dos 1440 minutos do dia nesse universo chamado Lagoa Rodrigo de Freitas.

Acorde cedo. Não precisa ser como fiz durante dois anos da minha pós adolescência (4h30 com barco na água sem reclamar). Mas espante a preguiça e tente, pelo menos uma vez, curtir o amanhecer cor de rosa ali por trás do Corte de Cantagalo. Se madrugar não é a sua praia, tudo bem. Lá pelas 8h nesse solzinho de inverno a remada é mágica também. O Botafogo (na altura da curva do Calombo, na Epitácio Pessoa) dá aula de remo para pessoas de todas as idades, com professores amáveis e uma nova fotilha para iniciantes. Experimente!

Se for um final de semana, não pense duas vezes. Vá à praia de Ipanema. Basta pegar o civilizado ônibus da linha 157 bem na frente do Botafogo e saltar na altura da Vinícius. Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça!

Vai dar fome. Claro que vai. Mesmo que tenha matado um biscoito Globo com mate de galão (mais limão, por favor!), certamente vc não vê a hora daquele chope geladíssimo escoltado pelo magnânimo filé à milanesa com salada de batatas do infalível Bar Lagoa. Tá, pode ser mais de um chope. Ninguém resiste.
Bar Lagoa no sábado de carnaval 2012.
Tem gente que encara uma ducha no Posto 9 ou 10, com direito a malabarismo segurando a canga com a boca para trocar de underwear. Ou não. O importante é estar de banho tomado e pronto para curtir o cinema no bacaníssimo espaço Lagoon. Os filmes costumam ser blockbusters. Mas as salas são confortáveis e, vai por mim, vc vai ter uma vista surpreendente do Rio de Janeiro. Nos idos de 1997 cheguei a fazer matéria de telejornalismo na faculdade sobre as obras do Estádio de Remo. Levaram quase 15 anos para ficar prontas. E graças a Deus rolou. O complexo de cinemas é um barataço, assim como o pólo gastronômico aberto em junho em cima dos pilotis da arquibancada. Há quatro restaurantes: Gula Gula, Empório Pax, Quadrifiglio Café e Giuseppe Al Mare. Os três primeiros conheço de outras paragens. E o Giuseppe, onde caí por acaso no dia dos namorados, foi a melhor experiência de atendimento que vivenciei aqui no Balneário em muito tempo. Sem falar na boa carta de vinhos, nos petiscos criativos, nos peixes fresquíssimos e bem feitos.
Passeio com o dog tricolor de manhã,
remadinha ao entardecer.
Claro que isso é uma sugestão pouco real. Ninguém vai dar uma corrida depois dessa maratona toda. Mas poderia, se quisesse. Pois a Lagoa está aberta sempre para receber vc. Do jeito e na hora que vc quiser.

Comer: No Bar Lagoa (21 2523-1155) ou em alguma das casas do Lagoon, certamente vc vai encontrar algo perfeito pro seu paladar e astral. Sinceramente, nunca tive grandes experiências nos quiosques que polvilham a orla da Lagoa. Tirando o Gondola Café (próximo ao heliporto mas que, misteriosamente vive vazio), que já não me inspira mais a menor confiança.

Correr: O entorno da Lagoa tem 7,5km. A reforma deu uma melhorada no piso, porém ainda não colocaram as marcações de volta. Cuidado com ciclistas desenfreados e malabaristas - quer dizer, skatistas. Não há pipi stops oficiais, mas a boa vontade dos clubes de remo sempre funciona. Por outro lado, vc vai sempre "tropeçar" em uma as barraquinhas com côco gelado.

Remar: Botafogo, Flamengo e Vasco têm sedes de remo com escolhinha para iniciantes de manhã ou de tarde (no horário de verão vai até de noite). Normalmente é de hora em hora entre cinco e dez da matina. Trata-se de um esporte completo, que seca pernas e abdomen e não tem impacto. No Estádio de Remo há mais dois clubes: Piraquê e Guanabara, que também oferecem aulas. Na altura do Corte de Cantagalo, a Tribus Adventure dá aulas de canoagem em barcos super estáveis de plástico.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Porque Londres não é só Olimpíadas. Três exposições imperdíveis em cartaz!

Hirst e o moisaico de borboletas - foto do Guardian.
Nunca tinha ouvido falar de Damien Hirst até maio passado, quando fui fazer uma das diversas visitas preparatórias e eventos teste para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos em Londres. Minha irmã "inglesa" fez as honras da casa. E assim fui parar na Tate Modern, numa fila que parecia interminável (demos sorte e entramos direto pois havia três tickets sobrando para aquele horário).

Impactante é o mínimo que se pode dizer sobre a exposição. Inquietante. Objetos, seres e imagens agressivas suavizadas pela beleza de um diamante, pela disposição em uma prateleira. As borboletas que lembram o borboletário do London Zoo; o ciclo da vida reproduzido pela cabeça de boi rodeada de moscas e luz; a riquíssima caveira brilhando solitária em uma câmara escura; o hipnotizante mosaico de borboletas; o tubarão antes de qualquer plastinização. E você sai de lá pensando, pensando...

 O chocante ciclo da vida. E a delicada caveira de diamantes.

E falando em plastinização, quem ainda tiver estômago também não pode perder a versão animalesca da exposição do avesso dos corpos e órgãos. Saem chineses, entram cavalos, cabras, coelhos, tubarões, gorilas... A anatomia transformada em arte na Animal Inside Out, no National History Museum. Achei um tanto infantil a mostra (e, sim, há criancinhas correndo e gritando aqui e acolá), mas como sempre curti biologia, viajei na complexidade dos vasos sanguíneos, cérebros, músculos.

Sistema circulatório do tubarão - foto do site do NHM.
É rapidinho passar pela exposição (mesmo que vc, como eu, queira ler todas as explicações). Pirei no polvo e no gigante elefante esmiuçado à minha frente.

Ainda sobrou tempo e disposição para mergulhar, ali mesmo no NHM, naquela que foi a mais emocionante da série. Ao menos para mim e para o Caê, meu irmão. "Você também ficou com lágrima nos olhos?". Nem precisei responder.

Imagem do site do NHM

Acabávamos de sair da Scott's Last Expedition, a completíssima coletânea de fotos, sons, objetos... que recontam cada instante da saga de Capitão Scott e seus valentes homens rumo à conquista do Pólo Sul na expedição Terra Nova. A morte de Scott e alguns deles, em campo, faz 100 anos em 2013.

A complexidade de uma operação desse porte em uma época com tão pouca tecnologia (para os nossos padrões, claro) em um ambiente tão hostil e inóspito, a tensão e a rotina daqueles bravos seres humanos, a decepção de chegar ao Pólo Sul e se deparar com o pavilhão norueguês fincado por Amundsen. Tudo é recriado à perfeição ali no NHM. A cabana que abrigou a expedição no Cape Evans foi reconstruída completamente. Imagens do fotógrafo oficial que acompanhou o grupo estão por todos os lados para não deixar mentir, bem como equipamentos usados pelos cientistas. Que fantástico o que produziram esses homens para a posteridade! Quanta ousadia, ambição e obstinação. Comovente.

Imagem do site do NHM

Ver: Scott Last Expedition (ver link no texto. Até 2/9/2012 no National History Museum, Londres), Animal Inside Out (ver link no texto. Até 16/9/2012 no National History Museum, Londres) e Damien Hirst (ver link no texto. Até 9/9/2012 na Tate Modern, Londres). Recomento muito comprar antecipado.

Vale uma visita nesse post sobre Londres também, com dicas bacanas de lugares onde comer, além do passeio no lindo e vivo London Zoo. Inclusive quem for à Tate Modern vale emendar no Borough Market ou no George Inn, sobre os quais comento no post. Ali na área do NHM tem coisas ótimas - descubram e me contem!!!

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Só mesmo Ferran Adriá para me botar na cozinha!

Foi lendo o blogue do Pedro Landim que conheci o livro de receitas caseiras do mago Ferran Adriá, de quem o mais perto que cheguei foi através do filme que mereceu post por aqui. Chama-se The Family Meal e traz 31 combinações de cardápios (entrada, principal, sobremesa) que Adriá servia à força de trabalho de seu ElBuli. É uma edição da Phaidon então vcs imaginam a beleza e riqueza da produção.

E só mesmo Adriá pra me levar ao fogão. Foi num sábado qualquer. Tinha passado o dia minhocando da cama pro sofá e levantei para uma corrida na Lagoa no começo da noite. Decidi fazer um cheeseburguer caseiro (logo o Meal 1). No menu proposto, o sanduíche vem com uma salada Caesar antes e um bolo de Santiago depois. Fiquei só no hamburgão mesmo. Incrementei com cebola com shitaque refogados e optei por um emmenthal para derreter. A receita é infalível.

O livro traz proporções para todos os ingredientes para 2, 6, 20 ou 75 bocas!

Cheeseburguer com Chips (2 pessoas)
Ingredientes:
Pão branco (sem miolo) - 7g
Leite integral - uma colher e meia de chá
Carne moída - 250g
Ovo - meio!!!
Sal - 1/4 de colher de chá
Pimenta moída - 1 pitada
Pão de hambúrguer - 2
Azeite de oliva - 2 colheres de sopa
Queijo cheddar - 2 fatias (troquei por Emmenthal)
Batata Chips - 50g (fui de Pringles!)

Modo de preparo:
A edição da Phaidon: Family meal
Pique os pedaços de pão e mergulhe no leite por cinco minutos;
Junte a carne, o ovo, os pedaços de pão no leite, sal e pimenta em uma vasilha. Misture bem com as mãos;
Faça bolas de carne com formato de hambúrguer (mais ou menos 125g cada);
Frite a carna em uma frigideira com o azeite em fogo médio, virando no meio do tempo: 3min para mal passado, 5min para ao ponto, 8min para bem passado;
Corte o pão para o sanduíche e toste rapidamente no forno ou na frigideira;
Coloque uma fatia de queijo sobre cada hambúrguer (ainda quente para que ele derreta);
Monte o sanduíche e bom apetite!

Justiça seja feita, o livro foi presente de natal do irmão Caetano.

PS: Tive a licença poética de complementar com uma fatia de tomate e uma folha de chiória; e um mix de cebola rocha com shitake refogados com um pingo de shoyu.

Dois é ótimo... ainda mais quando se trata de Claude Troisgros!

Pedro com sua clássica cara de "o prato dela é melhor do que o meu. De novo".
Sou fã das carnes da CT Boucherie, nunca fui muito feliz no Bistrô 66, estava super curiosa de experimentar a CT Trattorie e, confesso, não sei por que cargas d''agua jamais tinha sentado numa das poucas mesinhas do Olympe, restaurante-assinatura do mais premiado chef franco-brasileiro.

Pois em dois dias de junho, tive o privilégio de resolver esses dois dos "grandes problemas gastronômicos da minha vida" e promover uma rodada dupla da cozinha de Claude Troisgros. Tudo na vida é pretexto... e o da vez foi o aniversário do Pedro (oba!).

A primeira visita foi ao Olympe, numa terça-feira à noite. Casa com meia ocupação, Troisgros Pai e Filho no salão (com pequenas incursões à cozinha). Como éramos debutantes, fomos direto no menu confiance. A dúvida era harmonizar ou não. Nunca fomos bem sucedidos em harmonizações, por melhores que os sommeliers e/ou os restaurantes fossem. Ainda assim, demos um voto de confiance e entregamos a combinação entre comidas e vinhos a Amilton.

Tenho gostado de escrever aqui no blogue sobre as experiências pelos restaurantes da vida, mas ainda confio demais na minha memória. Não anotei, não fotografei pq acho esquisita essa mania de fazer imagem antes de qualquer garfada (ainda bem que o Pedro clicou uma coisa ou outra!). Conclusão, embora a experiência excepcional esteja gravada no coração e no paladar, confesso que não me recordo da ordem dos pratos nem de tudo o que foi servido ali.

Marcaram alguns momento em especial: os crocantes biscoito de polvinho com um provocante toque de curry; o polvo maciiiiioooo, o cordeiro fantástico com casca de açaí. E a sobremesa. Divina. Uma delicada torta que combinava limão com cupuaçu. Coisa de quem entende.

 Polvo e cordeiro. Até parece que ele adivinhou o quanto eu amo os dois... 

O sorriso cativante de Claude Troisgros, que veio duas vezes à nossa mesa, também não sai da cabeça. Sorriso, bom humor e gentileza. Pesquei um papo em francês do chef com amigos (dele) na mesa ao lado. Apresentava um ravióli e desfilava elogios à batata baroa, para ele um tubérculo interessante, brasileiríssimo e matéria prima para uma de suas criações mais especiais. "Poxa, esse é o prato que tenho certeza de que não poderei provar aqui", lamentei ao receber Troisgros no meio da refeição. "Porque não?", devolve o chef. Expliquei que Pedro DE-TES-TA-VA (com todas as letras e em maiúsculo) qualquer coisa relacionada à baroa. "A minha, não!". E imediatamente orientou à cozinha que preparasse dois raviólis para nós, transformando o menu de cinco para seis cursos.

Não preciso dizer que Pedro adorou.

Os vinhos? Bem, os vinhos não emocionaram. Pelo contrário. Tivemos problemas com o tinto: o primeiro veio bouchonet e foi trocado prontamente por um outro rótulo que, por sua vez, como não agradou, foi substituído - sem burocracia - por um Miolo Lote 43 que não estava à altura do jantar. Os brancos servidos ao longo do caminho também não merecem grande destaque. Pena.

Mas tudo ficou bem quando, de surpresa, o mil folhas de morango do Pedro veio em um fofíssimo prato adornado com "Happy Birthday". Elegante, discreto e gentil.


No dia seguinte, o aniversário propriamente dito, fomos com Rafa, irmão de Pedro, e Gabi à CT Trattorie. Pão quentinho, azeite com aquele cheiro fantástico, um vinho italiano bem escolhido e a genial simplicidade de pratos tão acolhedores quanto deve ser a culinária italiana.

Fui de carbonara (meu 'molho' favorito dos favoritos na vida), que chez Troisgros leva carne seca crocante e desfiada. Hummmm.... Pedro pediu um penne com cordeiro, cogumelo e farofa de panko (farofinha japonesa que é estrela entre os acompanhamentos da CT Boucherie, por sinal). Rafa foi de polpetone. E Gabi recebeu a vedete da noite: fetuccine com manteiga Aviação (notem o detalhe), parmesão e... batata palha! Fantástico.

  Penne com cordeiro, cogumelos e farofa. Fetuccine com batata palha. Tudo na vida é crocância!

Lembrei do meu irmão, Caetano, que desde pequeno botava batata palha em tudo: do strogonoff à lasanha. Bem sabia ele!!

Comer: Troisgros Pai (Claude) e Filho (Tomás) são os afitriões de refeições históricas para todos os gostos. CT Trattorie (21 2266-0838), CT Boucherie (21 2529-2329) e Olympe (21 2539-4542). 

Meu monstrinho


Levei sete anos para botar Pedro, efetivamente, para correr. Lembro quando encarei meus primeiros 21km (foto), ainda com o namoro engatinhando em 2005. Ele foi lá no Aterro de bike me apoiar. Não escondia, porém, que me achava no mínimo maluca. Never say never, já dizia Mary Poppins. E ontem foi a minha vez de recebe-lo na linha de chegada de sua primeira Meia Maratona sozinho. Pra mim, a emoção foi a mesma de ter sido eu a percorrer cada quilômetro. 

Senti naquele sorriso meio exausto, meio em êxtase, o prazer de quem descobriu seu corpo e sua mente a cada passada. Já tínhamos curtido juntos a Meia de Buenos Aires, em setembro último. Mas na Argentina o ritmo foi o meu, a logística foi a minha. Dessa vez não.

Nunca vi tamanha maluquice junta na preparação para uma prova! Treinos, foram cinco, num estilo kamikaze de fazer orgulhar a namorada adepta número um da tática que prega treinar pouco para não cansar na prova! Total de 55km rodados nos 15 dias que antecederam a Meia do Rio - justiça seja feita, acompanhei em 37km destes. Uma garrafa de vinho na quinta (claro que acompanhei), outras duas na sexta (claaaaaro que acompanhei) e alguns gols na pelada de sábado véspera da largada. Um sanduba que enfiei goela abaixo dele no domingo de manhã, quando acordou às 5:30 para passar pelo pórtico às 6:40 na Barra (óbvio que chegou atrasado, boa meu garoto!). Entreguei na mão do Pedro três sachês de gel de carboidrato: "Toma um antes da largada e os outros a cada 40 minutos". Pois recebi os três, intactos, depois da corrida - "Isso é coisa de fraco!", justificou. A única recomendação atendida foi o Advil, para o qual meu queniano albino apelou lá pelo km 10.

Na montanha russa que o Garmin cagoetou, largada a 5'48/km, percurso de altos e baixos entre 5'35/km e 5'16/km pra culminar com surreais 4'34/km, 4'51/km e 4'42/km nos três quilômetros finais.

Resultado: 1h53min01.

"Se não fosse o sprint no final eu perdia para o seu recorde de 1h54min", disse com aquele sorriso que eu adoro.

Sei não, tô criando um monstrinho à minha imagem e semelhança.

Correr: Meia Maratona CAIXA da Cidade do Rio de Janeiro (www.maratonadorio.com.br). Não tem pra ninguém, o melhor evento de corrida de rua do Brasil. Anualmente, no fim de junho/começo de julho.

domingo, 24 de junho de 2012

Shin Zushi: um japonês sem batom


Ainda bem que eu não uso batom. Recém-chegada ao balcão do Shin Zushi, ouvia a explicação de Ken Mizumoto para aquela autorização equisita. "Como percebi que vc não está de batom, vc pode tomar o saquê no cubo de madeira". A taça quadrada de madeira clara talhada com ideogramas é feita de cerejeira. Rara hoje em dia, diz Ken, justificando o zelo enquanto arrumava as raspas de nabo, cenoura e rabanete na folha à minha frente.

Ken Mizumoto, 32 anos, comanda o tradicionalíssimo Shin Zushi ao lado da mãe e do irmão. O pai, fundador da casa há 30 anos, faleceu quando ele tinha 12. Ken seguiu para o Japão, onde passou dez anos estudando. E o prazer pela riquíssima cozinha e incrível cultura de seu país ancestral o tornaram um embaixador da causa pelas bandas da Tropicália. Sim, estou decretando isso, sem medo de exagerar, depois das duas horas e meia que passei sentada à sua frente na última quinta-feira. Meio sem graça, pedi permissão para pagar aquele mico de fotografar tudo o que passasse na minha frente. Ele sorriu.

O primeiro sashimi foi de atum. Ken serviu um corte parrudo e vermelhíssimo do peixe, chamado Chutoro, de uma parte localizada mais longe da pele e, por isso, menos gorda e mais macia e saborosa do que se vê por aí. Em seguida vieram lâminas finas de garoupa e o aviso: "essa vcs têm que molhar nesse molho especial", disse Ken nos passando potinhos com shoyo, pimenta japonesa, cebolinha e gengibre. "e não inventem de fazer como alguns clientes, que resolvem molhar os outros cortes nesse molho também!".


Enquanto me encantava com a garoupa e o molho veio o polvo. Confesso que estava de olho grande nas pernas suculentas em um pote sobre o balcão. Estava morno, macio e delicioso. "Esse é para comer com sal e só. Pouco sal", veio a ordem do outro lado da vitrine de peixes. Os nacos do cefalópode (essa eu só descobri por causa do Bruno) não eram apenas das pernas, mas também da cabeça do bichinho. E esqueça aquela dica de que se deve espancar o polvo para lhe conferir maciez. "Quem não conhece o ponto certo de cozimento apela para pancada. Ele tem que ficar assim, ó, inchado", ensinava Ken mostrando uma pernoca parruda e bem rosada.

Ken parecia curtir do lado de lá, enquanto Bruno e eu entrávamos em transe do lado de cá. A cada prato apresentado, o jovem 'sushiman' esperava a nossa reação ao experimentar a iguaria. "E aí", perguntava para, em seguida, falar do frescor, do preparo, contar histórias.

Passaram pela nossa bancada ostras carnudas e vivíssimas "vindas hoje de manhã de Santa Catarina", siri mole deep fried, tempura (de abobrinha e de figo!!) para ser comido com sal de chá verde, enrolado de ovas de ouriço, caldo de peixe boi com tofu, peixe grelhado, delicadas duplas de sushi de satum e lula (que já vinham besuntadas de shoyo, sem necessidade de afogar o bolinho e estragar tudo), omelete tradicional japonesa, misoshiro maison com caldo de peixe caseiro, feita a cada dia na cozinha do Shin Zushi ("Se é para usar aquele pózinho pronto prefiro não servir", sentencia Ken).


(Em sentido horário a partir do topo: tempura com sal de chá verde; Bruno com o siri mole; peixe grelhado com nabo; Ken apresentando a omelete japonesa).

A cada passo da degustação, uma surpresa, uma descoberta, uma alegria. Lembrei com saudade dos restaurantezinhos que visitei em Tóquio, do fantástico Yamazate, o estrelado Michelin de Amsterdam. Falei do Azumi, no Rio, outra jóia. E detonamos juntos (Ken, Bruno, eu e os sushiman que ouviam o papo) o marketing do Sushi Leblon e a esquisitice do I Piati, o japa-italiano (!!!) de Botafogo.

O Shin Zushi também não usa batom. O luxo do restaurante paulistano não está em decoração moderninha, pratos cheio de invencionices ou buxixo de coluna social. Escondido em uma rua pouco badalada no bairro residencial de Vila Mariana, parece um pedaço do Japão em São Paulo - e me desculpem aqui o clichê. Mesas de madeira, japoneses atrás do balcão e no salão. Cardápio com ideograma e tradução fonética dos pratos. "Assim conseguimos estabelecer contato sempre com os clientes, pois eles nos perguntam as coisas. É uma interação importante", explica Ken. Isso, claro, quando algum estranho no ninho aparece por lá e para comer um combinado (há apenas duas opções dessa no menu). Pq na verdade, 70% da clientela é de olhos puxados e sabe bem onde está pisando.


Um coral bem afinado e ensaiado saúda cada vistante que passa pela porta, chegando ao partindo. As vozes japonesas conferem um clima ainda mais familiar e acolhedor.

"Sabem como eu escolhia os restaurante para comer no Japão", pergunta Ken que, naquela noite ficou praticamente exclusivo conosco (pura sorte!). "Pelo tipo de letra naquela bandeirinha azul sobre o batente da porta. Dá para ver a tradição do lugar. E também quanto mais velha a porta, melhor", conta ele prestes a apresentar sua última criação vinda da cozinha: um sorvete de chá verde com doce de feijão, gelatina kanten, massa de arroz, frutas e calda de açúcar mascavo. "É minha sobremesa favorita. Muito conhecida no Japão, mas aqui não fazem porque dá muito trabalho. Eu viajava horas de trem para comer o melhor desses em Tóquio".


E a conversa foi indo, como velhos amigos compartilhando uma paixão comum. Falamos de karatê, judô e whisky. Fiquei de voltar. Afinal, Ken só deve arriscar abrir um Shin Zushi no Rio depois de 2016, quando a especulação imobiliária tiver acalmado. E se eu tiver sido convincente o suficiente, em Botafogo, para a minha sorte.

Comer: Shin-Zushi (Rua Afonso de Freitas 169. Abre para almoço e jantar (até 22:30), com degustação (R$ 180, R$ 250 e R$ 300, dependendo do tamanho do percurso a seguir). Tel. 11 3889-8700).

sábado, 5 de maio de 2012

O que os olhos não vêem


"Boa noite, me chamo Matthias e serei o garçom-guia de vocês. Por favor, todos com a mão esquerda no ombro da pessoa da frente e o copo na direita. Cuidado, há uma porta logo aqui e uma cortina. Não se preocupem, não há degraus até a mesa".

Quando a porta se fechou atrás de nós, entramos em um mundo de sons, gostos e texturas. Mas sem cores.

"Six people!", anunciava Matthias a cada passo, talvez para evitar que outro garçom calculasse mal a 'ultrapassagem'. Tipo aqueles caminhões que estampam na lataria 'veículo longo'.

Depois de uns 30 ou 40 passsos, paramos: "A primeira pessoa vai até o final da mesa, para a direita. É a terceira cadeira. Há uma parede ao lado".

Matthias acomodou cada um de nós e prosseguiu com as instruções: "Cada um tem dois garfos à esquerda, uma faca à direita. Na frente há um prato com manteigas. Avise a todos na mesa onde vc está colocando seu copo. O mais seguro é que ele fique à sua direita".

Onoir, em Montreal, é um daqueles restaurantes em que vc come totalmente no escuro. E quando eu digo escuro, quero dizer que não dá nem para desconfiar um movimento de um vulto à sua frente. Parte da renda é destinada à associações para pessoas com deficiência visual, de onde vem também a mão de obra usada no salão, já que todos garçons são cegos ou de baixa visão.

Na salinha onde fomos recepcionados por Matthias, escolhemos o cardápio da noite. Ou melhor, "desescolhemos". Optamos, os seis, pela "surpresa" na entrada, no prato principal e na sobremesa. Mas avisei que detesto pimentão.

Os primeiros minutos na escuridão total são de uma agonia indescritível. Seus olhos abertos e o escuro na frente. Sim, um dos objetivos do Onoir é fazer pessoas "videntes" passarem pela experiência de vida de cegos. Além de querer estimular outros sentidos nossos, já que estamos privados da visão.

E se estimula! Os decibéis se elevam no salão. Difícil encaixar uma conversa sem ver o interlocutor. Até nos acostumarmos com a nova dinâmica, nossa voz devia ser ouvida até do outro lado da agitada rue Ste Catherine, onde fica o restaurante.

"Matthiiiiiaaaaaas!", grita a Tati, seguindo à risca a instrução de "call me out loud if you need something".

"Ele é cego, não surdo. Pra que esse berro?", provoca uma voz da mesa, para gargalhada geral, logo no instante em que o garçon se materializa para nos atender.

O pão - assim como os demais pratos - foram sempre entregues por cima do nosso ombro esquerdo. A troca das taças de vinho vazias por cheias exige alguma habilidade (fomos num Shiraz australiano 2009 ótimo, depois de brindarmos com um espumante húngaro como aperitivo).

Comemos tartar de carne achando que era ceviche na entrada.

"Many people said this tonight", diz Matthias, para não nos desanimar muito afinal, era só o começo.

O purê de maçã com aipo e cenoura al dente veio acompanhado de um nugget de pato.

"No meu não veio nugget nenhum!", insistia o Rafa durante prato principal, mesmo antes de Matthias revelar que o menu do chef Alejo N consistia em um porco 'deep fried' com purê de cenoura com molho de maça. Ah, tá.

O doce com folhas de hortelã foi a única unanimidade da noite.

Alguns usaram as mãos para comer em determinados momentos. Outros deram garfadas no vazio. Teve gente se lambuzando de manteiga, e gente desesperada quando a faca caiu no chão.

A comida não é o forte do Onoir, e sim a experiência. A sensação (confortante) que o homem é capaz de se adaptar a tudo. A tensão no começo do breu se transformou em organização (para manobrar pratos e talheres). Ao fim da noite, parecia que estávamos vendo o que acontecia a nosso redor.

"Não acendemos jamais a luz. O que importa aqui é o que vc leva na sua mente", despede-se Matthias.

Comer: Onoir Montreal (1631, Ste Catherine West, Montreal / info@onoir.com)


quarta-feira, 18 de abril de 2012

Ilha de Utopia

Chacoalhando ao meu lado na picape a caminho de (mais um) jantar daqueles no Ecologiku's, a senhora paulistona arregala o olho e dispara: "Nossa, cinco vezes? Depois de três dias aqui, tenho certeza de que Noronha não é um lugar que eu voltaria. Já vi tudo".

Aceito gostos e percepções distintos aos meus. Mas não posso deixar de achar uma pobreza de espírito ou uma arrogância exagerada alguém se dar por satisfeito com três dias em qualquer lugar que seja. Mergulhar no azul de Fernando de Noronha requer mais do que um batismo com a Atlantis. É por isso que já fui cinco vezes. Pra ficar uma semana no mínimo. E voltarei quantas puder.

Visitar Noronha sempre foi um sonho de infância. Mamãe que o diga. Em 2004, depois de matar duas garrafas de vinho com amigos, decidimos que as férias de verão daquele ano seriam no arquipélago. Respeitem promessa de bêbados. Embarquei com Renata, Rafa e Orro na manhã de um domingo de dezembro, de Varig em voo direto do Rio!, coroando um final de semana inesquecível (ganhei dois ouros no Brasileiro Master de Remo - Double e Four - e o Botafogo foi campeão no feminino, com minha super parceira Luciana papando a outra medalha possível, no Skiff).

A trip de solteirona com os amigos deu lugar a uma viagem mágica com Pedro, então recém-namorado, em 2005. No ano seguinte empurrei Mamãe escada abaixo na Praia do Sancho e, em 2007, fiquei conhecida como a "menina da bicicleta", já que a Caloi foi a companheira daquela visita à ilha, assim como as anteriores, sempre feita em dezembro (com muito calor, pouco verde na paisagem e ondas que desafiam meus medos mais íntimos. Maldito swell). O quinto - e até o momento último - desembarque no acanhado aeroporto aos pés do Morro do Pico (verdinho de outono!) foi agora em abril, dessa vez com o Pedro e a bike, combinação perfeita. Cada dia mais apaixonada por aquele pedacinho de rocha vulcância no meio do Atlântico. Cada vez me sentindo mais em casa ao lado das mabúias.

Pedro não tem um pingo de ciúme desse meu amor. Pelo contrário, é cúmplice. O presente de natal (?) daquele 2005 foi o livro Utopia, de Thomas More. Que fala de uma sociedade perfeita vivendo numa ilha descoberta por Américo Vespúcio em uma de suas navegações. Em Utopia todos se vestem igual, trabalham por três horas pela manhã e outras três à tarde, seu emprego independe de sexo ou formação.

Tenho certeza de que Vespúcio tropeçou em Noronha com sua caravela.

Não que a vida dos nativos se resuma a golfinhos rotadores dando show. A rotina é dura e eu sei bem (coisa que a paulista nem desconfia, certamente).

Sim, realmente é triste saber que as hospedagens domiciliares estão, pouco a pouco, virando abrigo dos funcionários das pousadas de grife. A gasolina custa R$ 4 o litro no único posto do arquipélago (onde tem Brasil, tem Petrobras!). Falta água doce na alta temporada (o abastecimento às casas chegou a ser feito a cada 20 dias apenas e restaurantes, até hoje, raramente usam guardanapos de pano, por exemplo). O ônibus que serve a turistas e moradores é pouco confiável, embora percorra uma linha reta de 7,5km (passagem a R$ 3 e uns quebrados): há apenas dois veículos e quando um enguiça, não tem jeito. A manutenção, aliás, é precária (contam que já perdeu o freio nas ladeiras da ilha duas vezes, uma no Sueste, outra na entrada da vila dos Três Paus).

O lixo é outro problema constante - precisa ser mandado em balsas para o continente. Os preços pagos pelos habitantes são os mesmos praticados com os turistas: R$ 13 uma Stella Artois, R$ 4 uma água ou R$ 9 um pacote de Ruffles. Numa comprinha besta no mercadinho da Vila dos Remédios (dois gatorade, 2 litros d'agua e uma castanha de caju) deixamos R$ 30. E acho que descobri o único item a R$ 1 por lá: o envelopinho de Sonrisal ali na loja da Mãezinha.

Mas como diz Walter (o ex-técnico de informática, hoje guia da recomendável Cavalgada Ecológica, que veio visitar o irmão da Aeronáutica e entregou-se de amor por uma local, largando a vida no continente para nunca mais voltar), em Noronha cada um tem o que precisa e nada mais. Não há miséria, mas também não há luxo. Come-se o que tem no mercado: se chegou vagem, é vagem, se o barco trouxe chuchu, então é chuchu. O salário mínimo é mais do que o dobro do aprovado por Dilma. O expediente começa cedo com o vaivém frenético dos transfers dos passeios e acaba na hora do almoço. Recomeça depois da siesta para se encerrar junto com o fim da palestra do Tamar, não mais do que 22:00. Sem estresse, sem exageros. Sem a famosa "Neuronha". Tal qual em Utopia.

E é em homenagem a todas as pessoas que me mostram, a cada visita, como Fernando de Noronha é um lugar ímpar sem precisar apelar a clichês dos pacotes da CVC, que inicio uma série sobre o arquipélago aqui no blogue. Desculpe se faltar algo. É que ainda não conheço tudo.

Sentido horário a partir do alto: Moniquinha e Mary, Duda Rei, Jurrewerson e Rinaldo. Gente que faz de Noronha um lugar diferente de qualquer outro no planeta.


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Ladeira acima

Quando minha mãe resolveu que o Rio de Janeiro ia submergir com o aumento do nível do mar, pegamos a serra e compramos um terreno em Mury. Afinal, a serra era "à prova d'água". Jamais construímos a casa (ainda) e as chuvas por lá mostraram que a precisamos de bóias de braço aqui ou acolá, com perdão pelo leve humor com um tema tão delicado.

O fato é que não ia a Friburgo há uns sete anos pelo menos. Voltei lá no ano passado, no final de semana dos namorados, graças ao casamento de Rodrigo e Camila. Era a primeira grande data na região serrana depois da tempestade que devastou tudo por lá. Escolhi pela internet uma pousada charmosa para transformar a viagem em um programão. Graças ao oráculo, dei de cara com a Monte Verde. E é ela a grande vedete desse post, ao lado dos restaurantes que completaram tão bem a viagem.

Monte Verde em dois momentos: acima, o friozinho de julho 2011. Abaixo, a luz de outono 2012.
Um casal de alemães (Sabine e Dieter - ela, coincidentemente, minha "veterana" na Escola Corcovado) que construiu tijolo a tijolo um recanto como poucos. Além da casa onde moram, há três chalés espalhados por três níveis do terreno e ligados por escadas de pedra. E tome escada! O jardim - com direito a fonte - é um paraíso de hortênsias, hibiscos, bromélias, orquídeas.

Com direito a lareira, rede, velas, edredon macio e uma vista linda para o vale, a Monte Verde é feita para casais apaixonados (oba!!!). Sem falar nos cuidados da Sabine e no papo carregado de sotaque de Dieter durante o café da manhã servido na cozinha, numa linda mesa posta com louças antigas e o cheiro do pão fresquinho saído do forno. E guardem espaço para o apfel strudel!

Café na cozinha!
Sem fazer a menor questão de fugir dos clichês de um Dia dos Namorados serrano, fomos de encontro ao fondue do Le Bon Bec, outro clássico daquelas bandas. Pedimos a trilogia com queijo-carne-chocolate. Caro, mas delicioso. Só caímos no vacilo de pedir uma sangria que custou os olhos da cara e nem era essa coisa toda (bem feito... quem mandou pedir sangria).

Ainda teve espaço para dar um pulo no famoso Braun Braun, casa da cerveja artesanal de mesmo nome, que fica no shoppingzinho de Mury. Até que comemos direitinho, mas demoramos duas horas para sentar e o atendimento estava o caos ao quadrado. Nitidamente, não se prepararam para a demanda gigante da época. Vamos tentar numa outra visita.

E não é que voltamos no último final de semana a Mury para um outro casamento de amigos queridos? Dessa vez quem jogou o buquê foi a Patrícia, agora oficialmente sra. Diogo Leuzinger. Liguei pra Sabine na hora para reservar meu chalezinho. Surpresa: os noivos já haviam se antecipado e garantido a noite de núpcias no chalé Orquídea (o mais alto... não devem ter calculado o perrengue de ter que subir pro quarto com umas doses a mais na mente!). Ficamos no Bromélia, o chalé do meio.

Dessa vez Pedro e eu fomos acompanhados por Mamãe (logicamente, não se hospedou conosco), já que Diogo é membro honorário da nossa família depois de quase 30 anos de amizade. Decidimos que faríamos dois almoços em Mury. No sábado, a intenção era conhecer o Além do Jardim, dos donos do (bem) falado Crescente, no centro de Friburgo. E no domingo iríamos ao Empório do Dengo, no km 9 na Mury-Lumiar, na entrada do sítio onde fica o tal terreno comprado em 1992.
Foi um dia assim mesmo... (Foto do site do Além do Jardim)
Além do Jardim foi o programa perfeito para o almoço sob o sol da serra. Na estrada que liga o Rio a Friburgo, logo depois do trevo de Lumiar, uma casinha envidraçada com mesas no jardim florido e bem cuidado. Atrás do balcão Ruan Rodrigues, formado em enologia e responsável pela carta com ótimos rótulos à disposição. Incluindo o Campador (uau, tem site!), uma assemblage desenvolvida pelo próprio Ruan. A safra 2009, aveludada e saborosa, foi a surpresa da tarde, que ainda teve direito a poesias nos descansos de talheres, panelinhas de cordeiro com tamarindo, porco com cuscus e cogumelos refogados. E um brownie digno de nota para encerrar o assunto antes da soneca pré-festa.

No domingo de quase ressaca, o cozido da Leila, que pilota a cozinha do Empório do Dengo, caiu como uma luva. Antes, patê de truta, conserva de beringela artesanal e duas garrafinhas de cevada locais: uma Braun Braun e uma Ranz Orgânica, que vou te contar, hein...


Ah, o Empório do Dengo tem quartos de pousada rural também (no Sítio Dengoso).

E para quem gosta de plantas, não deixe de passar no Horto Klein e se entregar pelas explicações da simpática Tereza.

Dormir: Pousada Monte Verde (22 2542-2440, com Sabine) e Sítio Dengoso (22 2519-4005, com Eva Schneider)

Comer: Le Bon Bec (22 2542-1103), Braun Braun (22 2542-1338) e Além do Jardim (22 2542-2062)


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Herói da Resistência

Quem acompanha o remo olímpico do Brasil certamente já ouviu o nome de Anderson Nocetti – o Macarrão. Catarinense, 38 anos, pai da Rúbia, 105 mil quilômetros remados e que conquistou, recentemente, a vaga para representar o Brasil nos Jogos Olímpicos de Londres. Sua quarta participação olímpica seguida. Não é pouco.

Dado o (baixo) investimento e a (pouca) atenção que o remo merece por aqui, participar de uma Olimpíada com o verde-amarelo na pá é quase como uma ganhar uma medalha. Em um país litorâneo, cortado por rios imensos e salpicado por lagos e lagoas de todos os tipos, é no mínimo curioso (e triste) que não mais do que 12 ou 13 dos 27 estados tenham uma federação de remo. Isso mesmo: o esporte não é praticado em mais da metade das regiões do Brasil. O remo foi o esporte-fundador de clubes tradicionais, como Flamengo, Vasco, Botafogo, Corinthians, para ficar apenas na região sudeste. E mesmo assim, as multidões que se aglomeravam no Estádio de Remo da Lagoa em meados  do século XX, com vestido longo e chapéus, viraram uma meia dúzia abnegados, gente que (como eu) insiste em acompanhar as regatas em domingos quaisquer, faça chuva ou faça sol.

Há quem possa condenar o fato de o Skiffista do Brasil em Londres ser quase um quarentão. Discordo e defendo Macarrão por dois motivos. Um: o remo é um esporte em que a maturidade chega mais tarde. Ou então perguntem ao Steven Redgrave, pentacampeão olímpico, como ele fez para vencer o Quatro Sem em Sydney com seus 40 anos de calos nas mãos. Dois: ninguém foi capaz de derrotar Macarrão no Brasil – e, mais do que isso, no pré-Olímpico da Argentina, foi ele quem fez o melhor tempo de todas as séries no Single Skiff Masculino (7min05s), uma marca elogiável. Mérito dele e, ouso dizer, de mais ninguém.

Macarrão rema desde 1988. Viu jovens talentosos surgirem e serem apontados como “aquele que, enfim, vai bater o Nocetti no Skiff”. Mas o fato é que Anderson Nocetti não sabe o que é perder para brasileiros desde 1997.  Teve gente boa alinhado na raia ao lado, sim. Deram a largada forte e abandonaram o barco anos mais tarde (ou, vá lá, diminuíram o ritmo).  Macarrão não. Com direito a passar por cima de todos aqueles clichês que orbitam em torno a modalidade: acordar ainda com o dia escuro, treinar exaustivamente, machucar as mãos e as costas, participar de poucos campeonatos internacionais e ainda por cima acharem que vc  faz canoagem! : )

Ainda assim Macarrão mantém o corpo em forma e com o mesmo peso de 12 anos atrás, quando foi aos Jogos de Sydney. No remoergômetro, crava seus 6min e pouquinho, tal qual quando ainda era um jovem de 26 anos. É um herói da resistência, pois faz tudo isso por amor ao esporte, vontade de vencer e a certeza de que é o remo, apesar de tudo, que poderá garantir recursos para sustentar a família.

E assim, desde 2010, defende o Botafogo, onde encontrou a motivação e estrutura necessárias para aturar as marolas da Lagoa com sorriso no rosto (e resmungando um pouquinho, se não não é o Macarrão! rs). Pelo clube da Estrela Solitária, foi mais um na constelação que entrou para a história alvinegra conquistando o Brasileiro 2010 e o bicampeonato Estadual Adulto 2010-11, feitos inéditos.

Fui a Tigre, no fim de março, só para tirar essa foto:
Coincidência ou destino: a classificação para a quarta Olimpíada veio na raia 4.
Parabéns, parceiro.

Parabéns também às guerreiras Fabiana Beltrame, Luana Bartholo e Kyssia Cataldo, que farão parte da equipe brasileira em Londres, mostrando que as mulheres não têm limites, mesmo nos recantos mais machistas como o remo. E ao Emanuel e Diego, que estão apenas no começo da caminhada olímpica e têm bons exemplos para seguir em sua casa alvinegra. Aliás, parabéns a todos que enchem a mão de calos por pura paixão.

PS: Em 2010, vivi o momento mais tenso e emocionante da minha mambembe carreira de remadora. Sentei na proa do Double para tentar não atrapalhar o Macarrão no Sul-Americano de Remo Master, em Floripa. Pedro viu e acha que foi fácil, ganhamos bem. Mas só eu (e o Roni) sei como fiquei tensa. Vai que a gente não ganha... Foi uma aula de remo e uma curtição só. Quem quiser ler mais dessa (e outras) experiência na Ilha da Magia, clica aqui.