sábado, 21 de maio de 2011

Fantasmas da Lagoa

Noutro dia fui ao Estádio de Remo assistir à segunda regata do Estadual de Remo do Rio. Queria ver a prova do Oito, em que o Botafogo era favorito e contava com vários amigos no barco. Mas acabei me emocionando é com o Double Feminino Master, páreo que, inclusive, eu deveria correr.

Kátia e Cláudia, as gêmeas que durante 18 anos fizeram uma dupla imbatível no Double ou no Dois Sem por Flamengo e, nas últimas três temporadas, no Vasco, anunciaram que estavam deixando definitivamente as raias. Duas atletas que sempre me assombraram e me inspiraram.

Eu até podia ter ficado "feliz", já que KátiaeCláudia são minhas adversárias no Master. Nunca, confesso, tive o "prazer" de derrotar as duas. Em 2008, nas minhas últimas regatas vestindo a camisa do Flamengo (e elas no Vasco), foi por muito, muito pouco no Four Skiff e no Oito. Mas não ganhei. Assim como tb não fiquei feliz com a notícia da aposentadoria delas no começo de abril.

Four Skiff medalha de prata em 2008 por bem pouquinho. No canto, as gêmeas recebem o ouro.
Tenho poucas (e boas) lembranças delas como rivais. Infelizmente não levei o remo tão a sério a ponto de poder fazer frente de verdade a elas, mas recordo com saudade um Troféu Brasil em São Paulo em 2004. Tinha acabado de voltar de Atenas, onde fui cobrir o judô e os patrocinados da Unimed-Rio, e meu técnico Xoxô me convocou às preças para remar um Dois Sem no Brasileiro. Tinha feito dupla com Camila no Dois Sem Peso Leve do Estadual de 2003 (levamos bronze) e precisávamos, agora, reeditar a parceria da noite para o dia para remar contra KátiaeCláudia para que a prova não fosse cancelada por falta de quorum naquele campeonato. Estava completamente sem treinar depois de um mês na Grécia e na Alemanha. Pra piorar, eu que tinha remado na proa de boreste (remo para a esquerda) ia sentar na voga (o que dá o ritmo do barco) de bombordo (remo para a direita). Em vez de nos massacrar com sua superioridade, as irmãs rubro-negras botaram um barquinho de vantagem e fizeram uma prova bonita, com os dois barcos chegando juntos em nome do remo feminino. Nem sei se elas lembram disso, mas até hoje abro um sorriso quando vem a memória a cena dessa regata inesperada.

O Dois Sem com Camila no Troféu Brasil de 2004, raia da USP.
Nasci vendo e ouvindo sobre KátiaeCláudia, a entidade. A dupla que veio do pólo aquático e que foi a primeira guarnição feminina em Jogos Pan-Americanos. Era 1997, eu estava na categoria principiante. Naquele tempo, tinha umas quatro provas femininas no ano no Estadual. A gente saía do principiante, virava estreante e depois "Aberto", já pegava as Gêmeas pela proa. Sem chance de ser feliz. Era assustador.

Não culpo o fantasma KátiaeCláudia por tantas meninas terem parado de remar depois do estreante. Bastava treino e perseverança para tentar tirar o ouro delas. É com gente boa que o nível sobe. Simples assim.

Hoje a história é outra, tem coisa de cinco provas para mulheres em cada regata, e o feminino é dividido em categorias como o masculino, muito mais favorável ao surgimento e desenvolvimento de novas atletas.

Mas se existe nesse esporte tão "clube do bolinha" uma Fabiana Beltrame, uma Kyssia Cataldo, uma Camila Carvalho, uma Nayara Furtado - além de Renatona, Panterinha, Debora, Carol, Luciana Granato, tantas meninas guerreiras que enchem as raias pelo Brasil e são a prova do crescimento da categoria - é pq, antes, existiu KátiaeCláudia. Elas não foram as primeiras remadoras do país. E, em seu tempo, havia também Mônica Anversa, outro expoente das raias, que trocou os calos no pé causados pelo balé pelos calos na mão provocados pelas remadas vigorosas em seu Skiff. Mas Kátia e Cláudia, sem dúvida, são o símbolo de um fase importante para a consolidação do remo feminino no Brasil.



Num sábado de março


O Multisport Brasil 2011 (fotinho aí de cima) foi a última corrida da qual participei esse ano, num longínquo sábado 19 de março, em companhia da Diana Nishimura (canoagem) e Graziela Garcia (MTB). Ficamos em sexto lugar entre os trios (eram 11), sendo que só o nosso era formado 100% por mulheres. Os demais eram masculinos e dois apenas tinham uma menina na equipe. Subi muito morro, corri em muita areia, atravessei uns alagados intermináveis com água na cintura ali na praia da Joaquina, antes de chegar na Lagoa da Conceição. O Multisport Brasil (que já valeu um post aqui mesmo, sobre a prova de 2010. Dá uma olhada se quiser saber mais do percurso) é uma prova sensacional e ultra exigente no que diz respeito à corrida. São 30km de montanhas e dunas.

Sei lá, deu saudade depois de dois meses "de castigo" pela pneumonia. Só quis desabafar.

PS: Essa blusa azul gigante e desengonçada era de uso obrigatório, não reparem, por favor.


quinta-feira, 5 de maio de 2011

Pelos cânions do São Francisco



"Bora, Manuca, fazer a Maratona de canoagem do Brasil Wild?". "Demorô".

Esse foi o telefonema que recebi num belo dia de agosto, a pouco mais de um mês para a regata de 55km pelos cânions do Rio São Francisco, partindo de Paulo Afonso/BA, no dia 25/9 do ano passado - a Maratona de Canoagem Brasil Wild.

Estava sofrendo com uma nova lesão na perna depois de correr a Maratona do Rio, já de olho em ficar boa a tempo da Maratona de Atenas em outubro e o convite me pareceu uma ótima maneira de fazer o que eu amo - remar -, num lugar pouco conhecido e lindíssimo - os cânions do São Francisco -, com uma ótima companhia - Bruno Lago, meu super amigo de Brasília - e ainda me manter em forma sem forçar a perna. Partiu.

A logística foi bem mais simples do que a da Travessia do Araguaia. Alugamos um barco do Vit Vanicek, de SP, que chegou direto no nosso hotel em Paulo Afonso. Fomos de avião até Aracaju e, de lá, de ônibus até Paulo Afonso (viagem beeem "cata corno", mas faz parte da vida no sertão do Brasil, afinal).

Como o clima era curtir o rolé, tratamos de descobrir o "point" da cidadezinha e o melhor restaurante com vista pra água. Fomos parar numa praia da represa da hidrelétrica, com meia dúzia de botecos em sua extensão, mesas e cadeiras de plástico, umas poucas sombras de coqueiros, música de gosto duvidoso e gente mergulhando pra se refrescar do calorão. Perfeito, era isso o que queríamos.


Curtimos a brisa, umas cervejas bem geladas e uma carne de sol de primeira, que garantiu a energia necessária para o dia seguinte. Afinal, pelo que a água mostrava, o vento não seria brincadeira, não.

Esse feijãozinho no fundo estava uma coisa de louco...

A largada foi super cedo, partindo da hidrelétrica. O roteiro nos levava até a Ilha dos Estados (terra de ninguém entre Bahia, Sergipe e Alagoas) com vento forte contra e voltaríamos pelo mesmo caminho até um portinho num braço do rio à esquerda. Vê se dá pra entender pelo mapa.


Nem tinha taaaanta gente assim participando, mas clima de largada é sempre legal e dá aquele friozinho na barriga. Botar o barco na água, preparar os equipos, encontrar novos e velhos amigos, o desejo de poder chegar ao objetivo... bom demais.

Com Fernando Fernandes, de quem Bruno foi o primeiro parceiro na canoagem adaptada.
O bom e ter amigos fotógrafos é ganhar imagens surpresa como essa, botando a jamanta na água!
Seba todo crente que eu tinha virado casaca de vez. Tsc tsc
A prova foi uma das mais doídas da minha vida. O GPS mostrava uma velocidade desproporcional à força tremenda que a gente fazia, graças ao tufão que nos empurrava pra trás. O máximo que conseguimos na ida foi coisa de 6,5km/h. Andando vc vai mais rápido até a padaria. Mas foi uma curtição interagir com as outras duplas (poucos fizeram os 55km. A maioria percorreu apenas 8km, o outro percurso oferecido pela organização), mergulhar nas águas frescas do Velho Chico, apreciar a fauna, flora e os cânions tão imponentes que mudavam de cor com o sol. Rimos muito, apesar do braço, da mão e das costas pedirem clemência a cada instante. Fizemos alguns pitstops gastronômicos que salvaram nossas vidas!

Delícias estrategicamente posicionadas para momentos de emergência. 
Hummmm... "sucolé" de batata cozida com azeitona picada! Carboidrato e sal na veia!
Twix derretido praquela hora desesperadora que vc acha que não vai nunca mais chegar!

Mas vc chega. Ah, chega... E chega feliz depois de, sei lá, umas sete horas de perrengue? Nunca remei tanto na vida. Técnica zero (e senti falta, mais do que no Araguaia). Mas muita vontade, concentração e bom humor que foram premiados com o que? Com uma divina marmita gelada de arroz, feijão, peixe e salada! Sabor dos Deuses!
Dessa vez maltratei as pobrezinhas... 
O importante é o prazer que proporciona, né?
É fato que fiquei uma semana com braço doendo, estourei umas três veias por causa dos músculos hipertrofiados e resolvi entrar numa aula de canoagem (o que ainda não ocorreu...). Mas não é por isso que vou dizer o que vem aí embaixo...

Sendo bem sincera. Vale, claro, ir uma vez pra Maratona do BW. Tudo vale a pena pela experiência sempre. É um Brasil mágico, um rio de arrepiar com uma história emocionante, lembranças de Lampião e Maria Bonita e tal. Mas não sei se voltaria como vou voltar para o Araguaia (alô, mudou a data, é 9 e 10 de julho!). É caro (mais do que o Araguaia), mega cansativo (pelo vento contra por 30km quase), o percurso em ida e volta é sem sentido (inicialmente era de Paulo Afonso a Canindé mas mudaram não sei pq) e a infra não é tão boa como pregam (ficamos 2 horas esperando resgate do carro no local de chegada, briefing atrasou mais de hora tb).

No dia seguinte fui pra casa da Cami em Barra de São Miguel/AL. Pra relaxar os braços... #NOT : )




Comer: Pra essas provas de endurance vale, mais do que apenas gel de carboidratos, barras de proteína e cápsulas de sal, ter comidas sólidas para mastigar e repor as energias e ter algo realmente gostoso pra comer. Cada um tem seu gosto, vou dizer o meu. No caso da Maratona de Canoagem, como era uma prova "molhada", não fiz sanduíches e preferi o bom e velho saquinho com batata cozida com sal e azeitonas picadas. Levei tb amendoim e o sempre bem vindo Twix. Pra beber, muita água e Gatorade, que congelei no camel back e ele ficou geladinho o tempo (quase) todo. Se alguma vez na sua vida vc for a Paulo Afonso, vai nessa prainha que tem comida nordestina da melhor qualidade. Em Maceió, Cami me apresentou o melhor restaurante peruano do Brasil (estrela do Guia 4 Rodas), o Wanchaco. Ceviche, vinho branco, um prato com feijão picante... Surpreendente. Em Barra de São Miguel, uma prainha paradisíaca perto da capital alagoana, coma sem medo as ostras frescas vendidas por ambulantes e peça um drink (o meu foi de abacaxi com vodka, estava perfeito!) de um dos quiosques. Gran finale pra viagem.

Remar: A Maratona de Canoagem do Rio São Francisco aconteceu pelo segundo ano consecutivo (2009-10), mas não há certeza de haver novas edições. É uma regata para canoístas/atletas mais experientes, devido ao desgate físico extremo de fazer 55km com vento constante. E, convenhamos, não vale ir até lá pra remar só 8km, né? Sem dúvida a maneira mais bacana de conhecer o Velho Chico. Apesar de achar que vale uma ida na vida e não mais do que isso, recomendo a experiência para quem ama a natureza e a canoagem.

terça-feira, 3 de maio de 2011

De Amyr Klink a James Cracknell: o Atlântico a remo de norte a sul

"(..aprendi...) A transformar o medo em respeito, o respeito em confiança. Descobri como é bom chegar quando se tem paciência. E para se chegar, onde quer que seja, aprendi que não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso, antes de mais nada, querer" - Amyr Klink.

Já que não posso remar, estou aproveitando a famigerada pneumonia pra botar a leitura em dia e viajar nas remadas alheias. Curei (ou provoquei?) insônia acompanhando os loucos James Cracknell e Ben Fogle em seu "The Crossing - conquering the Atlantic in the world's toughest rowing race". Inevitável emendar com a releitura de "Cem dias entre céu e mar", do Amyr Klink. Iguais mas diferentes. Inspiradores. Incríveis odisséias de homens valentes, frágeis humanos que têm medo e sonham, arriscam e conquistam.


Amyr foi remador do Clube Espéria, em São Paulo, um dos mais antigos do Brasil. Cracknell, atleta do tradicionalíssimo Leander Club, em Londres, ganhou dois ouros olímpicos no Quatro Sem dos fatásticos Steven Redgrave e Matthew Pinsent (2000-2004). E um belo dia resolveram que esse negócio de ficar pra lá e pra cá numa raia de 2000m, com cronômetro na mão e ácido lático nas coxas, já tinha dado e resolveram desafiar o Atlântico. O gringo pelo Norte, Amyr pelo Sul.

Parecem viagens irmãs: saem de um lado do oceano; negociam com ondas e tempestades; surpreendem-se com baleias; temem navios e outros monstros marinhos; calculam, interminavelmente, a quantidade de suprimentos e água; desenrolam perrengues em série; contam cada nascente e poente; deliram; discutem. E chegam, enfim, do outro lado do oceano.
A  rota do Spirit of EDF em 2005.
A rota do IAT em 1984.
Na verdade, Amyr foi primeiro. Em 1984. Quando GPS era coisa de marciano e os remos (pesadíssimos) eram de madeira. Eu nem sabia o que era remar, muito menos que conheceria Amyr anos mais tarde. Cracknell botou o barco n'agua nas Ilhas Canárias em 2005 (eu já era até campeã brasileira de remo!). Com um arsenal de equipamentos eletrônicos e a mais alta tecnologia: GPS, remos de carbono da Concept, barcos de apoio, rádios modernos. Era a regata Woodvale Challenge, que acontece a cada dois anos. Esse ano tem, mas só penso em participar em 2017 pra comemorar meus 40 anos. Não deixem minha mãe saber.

Ter ou não um sextante é só a a diferença visível das duas expedições. Lembro quando comecei a trabalhar com Amyr Klink em 2002. Primeiro encontro com ele e a recomendação em alto e bom som: "Manoela, só não vem escrever que sou aventureiro pq nada do que eu faço é uma aventura. Minhas viagens são fruto de um minucioso trabalho de preparação, onde cada detalhe é calculado".

Amyr Klink - de Lüderitz/Namíbia a Salvador/Brasil.
E essa é a grande diferença entre as travessias de 1984 e 2005. Quem achou que, 20 anos depois, com todos os aparatos modernos e o fato de remarem em dupla, James Cracknell e Ben Fogle teriam uma experiência mais "agradável" do que Amyr se enganou. Vc lê "Cem dias..." e acha que Amyr está de férias num cruzeiro: não passa fome, não passa sede, não passa sono. Diverte-se com as ondas e se delicia com potes de leite condensado. Faz da fauna sua companheira e batiza com bom humor as assustadoras ondas oceânicas. Capotar era uma "farra". Planejamento, confiança e prazer. Foram dois anos de estudo, o famoso "dossiê amarelo" e a constatação: "Meu medo era nunca partir. O período em terra foi mais sofrido do que no mar". Só não foi uma logística perfeita pq o travesseiro ficou em Paraty.

James Cracknell e Ben Fogle - de La Gomera/Espanha a Antigua/Caribe.
Os gringos deveriam ter lido o livro de Amyr antes de soltar as amarras. Sério. Ia poupar muita enrascada em que se meteram: acabou água, racionaram comida, equipamentos quebraram e, nem sempre, tinha peça de reposição ou conhecimento da tripulação para resolver o pepino. A capotagem quase custou a vida da dupla. Olhando friamente, os caras são loucos. Uns verdadeiros aventureiros que, graças às personalidades complementares (e um mapa astral favorável, só pode), venceram a regata!

Tão absorvente quanto o livro de Amyr é a narrativa dos ingleses. Uma história quase surreal, que começou numa balada com o, digamos, "ex-BBB" Fogle convidando o campeão olímpico daquele ano pra dar um rolé ali no Atlântico. Nem se conheciam quando embarcaram. Preparação? Meu, eles quase não largaram pq sequer tinham os cursos de sobrevivência necessários e os equipamentos obrigatórios a dois dias da partida. Sabe a história fadada a dar errado? Não deu.

O encontro tão inusitado (e, até certo ponto, naif) sobre a fossa abissal do Atlântico acabou sendo é um baita estudo antropológico, uma aula de relações humanas. Cracknel, com seus calos nas mãos e milhares de quilômetros nas costas, queria vencer a regata. Talento não lhe faltava e achava que isso era mais do suficiente. Autoconfiança, teimosia e orgulho às vezes jogaram a favor, mas em outras... Fogle queria mais é "curtir uma de aventureiro" e chegar vivo pra contar a história no final. Não tinha noção da biomecânica da remada e ia encarar 3000 milhas em mar aberto.  Parece que nem disso ele sabia. Venceu seus medos, sobreviveu à competitividade quase insana de seu parceiro e salvou-lhe, praticamente, a vida com sua coragem em reconhecer as fraquezas. Sabe superação? Eles queriam muito chegar. Muito mesmo. Tanto quanto Amyr.

Enquanto isso sigo de castigo em casa com meu barquinho empoeirando na garagem de remo do Botafogo. Ai que saudade...

Remar: Saiba mais sobre Amyr Klink, James Cracknell e outros craques do remo nos links ao lado. A Woodvale não promove apenas a travessia do Atlântico, mas também expedições menores. Para começar a treinar, há clubes de remo nas principais cidades do Brasil (incrivelmente menos em Belo Horizonte). Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo, Brasília, Bahia, Belém e Manaus, nesta ordem, têm clubes de remo bastante ativos e tradicionais. Tem clubes de todo o país no Scullerbrasil.